sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Árida Esperança - Parte 2

Desconfiado, mas impulsionado por uma súbita fagulha de esperança, Ian esperou três dias, o suficiente para o homem se recobrar completamente. E destacou cinco homens, dentre os quais eu, para acompanhá-lo em sua louca jornada. Todos éramos verdes, sabíamos apenas roubar, atacar acertando alguns golpes, e temíamos, tínhamos medo de tudo que era desconhecido. Ainda assim, cada um levou consigo um facão, uma lança, um cantil e alguns parcos suprimentos. Rumo a um improvável destino.
Saímos da caverna e a lua grande como sempre, nos iluminava. Quando víamos que começava a clarear, procurávamos um abrigo para descansarmos. Até que na quarta noite paramos enfim em uma imensa caverna.
- Homens, vocês hoje aprenderão a não mais tremerem tanto a cada barulho. Teremos de caminhar mais durante algumas horas, e isso implica em enfrentar o sol. – era o velho – Temos de buscar comida ou morreremos de fome e sede, porque nossos cantis já estão vazios.
E aprendemos como fazer isso. Durante a noite inteira, o velho se guiou com algo que retirara de seus farrapos, tão duro como uma pedra, mas que ele disse que há um bom tempo, aquilo fazia parte de um grande vegetal. Ele o chamava de galho. Passados uns instantes, o tal galho começou a tremer um pouco, podíamos vê-lo aproximando um pouco as tochas. E o velho mandou que cavássemos. E assim fizemos, durante horas e horas. Já tínhamos perdido a noção de quanto tempo estávamos naquela caverna. Mas quando o primeiro de nós desmaiou de cansaço, nossas mãos começaram a ficar úmidas, até que bem suave, começou a brotar água do chão. Um milagre!
- Agora tratem de encher seus cantis. Bebam, molhem-se, porque surgirá ainda mais água.
E assim foi. Se em nossas vidas sentimos algo tão bom quanto aquilo, jamais demonstramos tamanho sentimento uns para os outros. Mas tudo foi interrompido por um ganido. E outro, e outro. A caverna começou a encher-se de sons que conhecíamos como sendo dos predadores da noite.
- Homens, peguem suas lanças. Esperem que eles apareçam.
Todos tremiam, suavam, alguns chegaram a chorar. Confrontariam sua morte, perderiam o quase nada que possuíam. E os sons se aproximavam. Agora mais intensos e rápidos. Eram altos, ensurdecedores. Um dos nossos caiu de joelhos tampando os ouvidos.
Então se aproximaram, em velocidade alucinada. E as tochas que havíamos largado no chão começaram as mostrar suas sombras. Pudemos vê-los de relance. Seria difícil descrevê-los, já que nunca vimos algo parecido, mas eram menores do que nós. E bem diferentes. Andavam sobre seus quatro membros. Possuíam uma pele bem diferente da nossa. Ela era coberta por algo acinzentado. E tinham enormes dentes.
- Lanças! Lanças! Apontem-nas para frente e enfiem em suas bocas, suas caras, lutem! Lutem!
Minha lança perfurou o primeiro deles, foi em cheio em sua boca, atravessando a cabeça. Ele caiu morto no chão. Outras acertaram. Aquele que tinha se ajoelhado e largado sua arma era atacado por um, enquanto inutilmente buscava seu facão. O velho conseguiu pegar a lança caída e arremessá-la em um dos inimigos. Ao fim, matamos os que sobraram.
- Eram seis, disse o velho. Agora poderemos ter uma refeição de verdade. Vamos, eu os ensinarei a cortar e a aproveitar a carne e a gordura, vamos!
E cortamos, fatiamos, fizemos uma fogueira, fizemos algo estranho que o velho chamava de cozinhar, em um recipiente que ele trazia consigo: água, carne e gordura. O cheiro era agradável demais. E comemos e bebemos como nunca. Descansamos até que ele nos acordou para prosseguirmos viagem. Ele já tinha guardado vários pedaços de carne em um emaranhado de panos que trazia consigo. Disse que a conservaria com um pó branco: sal.
Mas quando saímos da caverna, o sol tinha nascido, mas ele disse para não temermos, pois somente depois de algum tempo é que ele começava a queimar mesmo. Em um tempo de viagem naquele terreno estranho, encontramos uma passagem.

XXX

Seguimos já exaustos pelo calor, mas naquela passagem o sol não atingia, parecia uma caverna, mas na verdade era uma construção. Paramos, comemos e bebemos e depois de descansar um pouco, caminhamos mais e encontramos o fim daquele corredor imenso. No outro lugar – um imenso corredor mais uma vez – tinham vários objetos, onde podia-se ler “estação” “sentido” “metrô”. E no chão havia algo que o velho chamou de trilhos e caminhamos até uma coisa enorme, uma imensa máquina, onde poderíamos subir. Ele andou sozinho até outro lugar e sumiu de nossas vistas. Um barulho estranho surgiu da máquina e nos assustamos, até que ele apareceu.
- Geradores, nunca imaginei que ainda funcionassem, vamos!
E subimos na máquina e ela começou a andar sozinha, percorrendo grandes caminhos. E saímos do corredor e passamos a vislumbrar outros lugares, desconhecidos até então. E a máquina parou, descemos e vimos ruínas e mais ruínas. Um barulho nos conduziu a um rio que terminava em uma outra construção. Quando entramos, ouvimos o barulho mais assustador de nossas vidas. Com o chão tremendo e rachando cada vez mais rápido, pegamos nossas lanças e tentamos nos equilibrar.
- Isso era um imenso laboratório, um lugar onde as pessoas pesquisavam e construíam ciências. Não é de se admirar que algo tenha fugido de controle – disse o velho.
Quebrando as paredes, algo puxou a perna de um de meus companheiros, arrastando-o pelo chão, entre gritos. Até que eles cessaram. Estava morto.
- Tentáculos! Nunca vi algo com tentáculos tão grandes. Vamos garotos, corram, corram!
Um dos nossos atirou uma lança contra o inimigo – e errou. Aquilo que havia puxado o outro deu-lhe uma imensa pancada, de cima para baixo e ouvimos o som de muita coisa se quebrando.
A nossa frente, víamos alguns objetos estranhos – tecnológicos – em alguns compartimentos. E lá estava escrito “granada de hidrogênio”. Então o que temíamos aconteceu. A criatura quebrou as paredes e se libertou por completo. Era imensa, negra como a noite e de sua boca surgiam membros incompreensíveis. Seus olhos ardiam de um vermelho furioso.
E ela provou sua força ao matar meu último companheiro de tribo e com um de seus membros fez quebrar com movimentos impossíveis algo no corpo do velho.
- Pegue uma daquelas – disse com a voz esganiçada, apontando para os aparatos tecnológicos – aperte e jogue na criatura. Depois você terá de correr e muito, pois tudo isso explodirá. Vá!
E assim, o velho tombou e teve fim a sua existência. Corri e me joguei, fugindo dos membros para encontrar o objeto da morte. Esperei um instante apropriado, apertei algo circular e vermelho que havia nele, e joguei com toda a força. A criatura pegou-o e o engoliu. Corri, extrapolando todas as minhas forças. E me joguei de um buraco. A dor que senti em minhas pernas foi superada pelo barulho da destruição. O calor era imenso e algo como um fogo invisível varria tudo. A criatura tornou-se um emaranhado de cinzas e vermelho. Não havia mais prédio. Só uma sala estava intacta. Quando senti o calor diminuir, caminhei com dificuldade até ela. Uma entrada onde se lia vagamente “chumbo” abriu sozinha e quando entrei me deparei com aquilo que todos buscavam por décadas: um livro.
Em sua capa se lia: Manual de Sobrevivência. E lá falava de tudo, coisas como átomos, sol, primeiros socorros, corpo humano, tecnologia, como o ser humano havia provocado tamanha destruição na Terra, calor, Gaia e como não repetir todos os erros do passado. Mas ele não podia ser movido, de tão pesado que era. Pensei na tribo, pensei na vida que havia levado. Pensei no velho e como havíamos imaginado que ele era um dos Mestres. Na verdade não havia terra verde, havia apenas a esperança de encontrar O Livro. Ele, treinado por algum sábio, havia nos enganado. Mas pelo menos, alguém havia se beneficiado. E vi que era um caminho sem volta. Não havia mais como retornar a tribo. Não havia como recuperar a vida de meus companheiros. Não veria de novo Ian, ou minha família. Apenas o conhecimento. Decidi seguir a vontade de meus antepassados e ler. Se não havia esperança, ao menos alguém poderia criar alguma. E ali fiquei lendo e lendo e lendo...

XXX

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