sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Árida Esperança - Parte 1

Poucos conseguem descrever o ambiente de gerações anteriores. Mitos, no entanto se formam, enquanto crianças se reúnem: épocas em que o mundo era verde, com tantas espécies de animais que eram muitos os homens que os criavam em casa. Criar animais! Como parece tolo o meu avô quando nos conta que há uns bons anos, sua geração comia carne, vegetais, nada de alimentos sintetizados, que hoje lutamos para roubar das fábricas. Uma época em que o sol não era tão quente e que existiam regiões frias a ponto de serem tomadas por camadas de água em estado sólido – o que particularmente nenhum de nós viu.
Ao olhar para minha tribo fico desolado, todos sem esperanças de um amanhã. Vivemos em breus imensos, já que nossas últimas fontes de energia foram explodidas em ataques terroristas. Países encontraram seu fim a fogo e água. Tudo o que temos demais. Vivemos em ilhas, a quantidade de água é imensa, mas apenas uma pequena parte dela pode ser consumida. O restante mata quando ingerida. Vários morreram desesperados.
À noite, as atividades começam, as mulheres tentam cuidar de seus filhos, ensinar-lhes, junto dos velhos a ler e a escrever (talvez uma das poucas habilidades que conservamos do passado), construir nossos barcos e nós homens vamos ao que chamamos de caça. Claro que não caçamos animais propriamente ditos, mas saqueamos os poucos que ainda conseguem sintetizar os alimentos. Tudo durante a noite. Porque de dia, o calor mata. Em nossas ilhas, dormimos em cavernas, para nos abrigar do sol. E nos acostumamos ao escuro, não que isso nos agrade, apenas é assim.
Os velhos sempre choram dizendo que foram os responsáveis por isso. E que seus pais não apenas construíram esta situação como ajudaram a destruir o mundo que conheceram. Já me falaram de uma tal Bíblia, um livro que era sagrado, com seu Paraíso, Purgatório e Inferno. Dos três, vivemos no último e não temos a mínima esperança de conhecermos algo tão agradável quanto um Purgatório. Vivemos fugindo das chamas e das enchentes tóxicas e a noite trás predadores desagradáveis. O que fazemos? Fugimos de caverna em caverna? Toda ilha tem um líder, então não podemos simplesmente pegar os barcos, as mulheres, os velhos e as crianças e nos instalarmos em outras. Travamos guerras para ocupar um lugar diferente. E nossos espaços de terra são cada vez menores.
Quem já guerreou sabe que em cada terra vizinha há um pedaço de civilização perdida. Línguas distantes, templos, aparelhos gigantescos, aquilo que os velhos chamam de fábricas. Mas tudo em frangalhos. As poucas “fábricas” são as responsáveis pela alimentação dos mais poderosos. De uma forma que só eles conhecem, retiram parte de determinados líquidos e rochas e os combinam para produzir alimentos, é o que chamam de sintetizar. E nós os roubamos. Roubamos ou morremos de fome.

XXX

Esta noite, quando todos despertavam para seus afazeres, tivemos uma surpresa. Um ser em estado deplorável, chegou a nossa ilha de balsa, daquelas com pedaços de pano que o vento impulsiona para poupar sua tripulação do trabalho de remar. Com um cheiro mais desagradável do que o da água em que navegava, chegou a nós. Estendendo a mão, não conseguiu mais do que um passo vacilante, um tombo e uma queda. Desacordado.
Tratamos de arrastá-lo para o chefe, um homem forte, sábio e hábil. Ian pediu que o colocássemos deitado e começou a esquentar em um recipiente farelos de uma rocha vermelha e água potável. Logo começou a surgir uma breve fumaça, que ele aproximou do nariz do estrangeiro.
Com tosses violentas ele começou a despertar e seus sentidos ao poucos foram se recobrando. Olhou para todos com um semblante assustado e começou a balbuciar algo incompreensível e a agarrar terra, como se isto pudesse salvá-lo.
Colocamos, como de costume, algumas tochas fincadas no chão e trouxemos as lanças para perto de nós. Afinal, não sabíamos o que ele poderia trazer.
- Água, por favor – sussurrou o homem.
Ian deixou cair algumas gotas em sua boca, e depois despejou um pouco mais. Ninguém o questionava, ele era o líder.
- O que te traz a terra estrangeira, velho? – era Ian.
- Vim em busca da rota do Livro – todos emudeceram. O Livro, como era conhecido por todas as tribos, era um compêndio realizado pelos antigos com o fim de orientar as gerações futuras. Todo o conhecimento do passado, toda a tecnologia que hoje vemos perdida estava lá. Mas dos poucos que tinham acesso a esse mito, um menor número tinha coragem de lê-lo. E quem o fazia, tornava-se poderoso. Um lorde em qualquer terra, era aquele com o passe livre em todos os lugares. Todos o respeitavam, todos o temiam.
- Um dos Mestres nos visita, então, o que podemos fazer para ajudá-lo? Sacrificar nossos homens, entregar-lhe as crianças, desonrar nossas mulheres? – poucos já tinha m visto esta face de Ian, mas quando se tratava de alguém que julgava ter poder, ele o enfrentava.
- Deixe de asneiras, homem – as mulheres enrubesceram – quero apenas seguir viagem. O Livro aponta esta ilha como uma possível rota para um local com Vida. Entende? Vegetais, animais, alimento de verdade?
- Isso é impossível, todos sabemos que é inviável, ainda mais em nossas terras.
- Não em suas terras, mas por aqui há um caminho, sei que há. Vocês são tolos porque temem e não atravessam um milímetro que não faça parte deste oceano pútrido. As terras me esperam. Dizem que lá ainda tem um pouco de gelo, água sólida, sabe? Dizem que os homens criaram um aparelho que joga sedimentos no ar e eles refletem um pouco o calor do sol. Talvez o único que reste neste caos que vocês chamam de mundo. Um Oásis, como dizem os velhos.

XXX

Um comentário:

  1. Muito legal! Adore histórias apocalipticas, e que deffato estamos rumando pra algo cada vez pior estamos!

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